segunda-feira, 30 de julho de 2012

Autonomia e liberdade


O significado etimológico de autonomia (de auto, que significa "por si mesmo", e nomos, que quer dizer "lei ou norma") nos liga ao desafio de sermos livres.

Segundo Bucay (2011), autônoma é a pessoa capaz de administrar, sistematizar e decidir suas próprias normas, regras e seus costumes.
É óbvio que, ao fazer isso, a pessoa autônoma não ignora as leis. Trata-se mais de questioná-las, revisá-las e adaptá-las ao seu modo de ser do que simplesmente desprezá-las.

O exercício da autonomia conduz a uma ressignificação (atribuir novo significado) ou mesmo substituição dos valores aprendidos desde a tenra infância. Isso conduz à própria liberdade.

Ainda segundo Bucay, durante anos os pacientes da velha psicanálise de meio século atrás culpavam as ordens, permissões e proibições dos pais e o condicionamento social e cultural recebido na infância a fim de evitar assumir a responsabilidade por suas próprias histórias. Acredito que, ainda hoje, os sujeitos em análise devem evitar perpetuar esse determinismo, uma vez que pode ser mais cômodo culpar terceiros do que arregaçar as mangas e assumir a responsabilidade pelo próprio destino. Reconhecer nossas dificuldades vivenciadas na infância é um primeiro passo (e muito importante!) para o crescimento, mas é preciso ir além. É preciso cuidar delas a fim de não deixar que nos paralisem.

Claro que as feridas da infância podem causar dificuldades ao longo da vida da pessoa. No entanto, o adulto que existe em nós é o único responsável por cuidar das necessidades dessa criança machucada. Existe uma escolha aí: deixar que essas feridas nos consumam até perdermos o rumo ou assumir a responsabilidade por nosso próprio bem estar e buscar ajuda, quando necessário.

Essa é a tarefa do adulto.

Assumir isso é ser adulto.

"Saber que sou livre me obriga a reconhecer que sou eu quem escolhe o que faço, o que digo, o que calo e o que evito. E essa decisão me torna responsável por tudo isso e por suas consequências.
Sou eu quem decide e por isso são meus os sucessos e acertos, assim como os fracassos e erros."
Jorge Bucay

"Cada pessoa é seu ditador absoluto, seu provedor particular de glórias ou catástrofes; o governante da própria vida, sua recompensa, sua punição".
 Mabel Collens

sábado, 21 de julho de 2012

Perus ou águias?

 
"Certa tarde, um camponês encontrou, no fundo do seu quintal, um ovo muito grande e cheio de pintas. Nunca tinha visto nada parecido.
      Surpreso e curioso, decidiu levá-lo para casa.
      - Será que é um ovo de ema? - perguntou sua esposa.
      - Não tem a mesma forma - disse o avô. - É grande demais.
      - Podemos comê-lo! - propôs o filho.
      - Talvez seja venenoso - refletiu o camponês. - Antes deveríamos saber que tipo de ave bota um ovo desses.
      - Por que não o deixamos no ninho da perua que está chocando? - sugeriu a filha caçula. - Assim, quando nascer, veremos o que é...
      Todos concordaram e assim foi feito. Mas logo se esqueceram do pobre ovo.
      Duas ou três semanas depois, a casca se quebrou e surgiu uma ave escura, grande, nervosa, que, com muita avidez, comeu tudo o que encontrou pela frente.
      Quando a comida disponível acabou, o estranho pássaro olhou para a mãe com vivacidade e disse, entusiasmado:
      - Não vamos sair para caçar?
      - Como assim, caçar? - perguntou a mãe um pouco assustada.
      - Como? - frisou o filhote. - Voando, é claro. Vamos voar!
      A mamãe perua se surpreendeu muito com a proposta do filhote e, munida de amorosa paciência, explicou:
      - Olhe, filho, os perus não voam. Você só tem essas idéias porque é guloso. Faz mal comer rápido e em excesso.
      Dali em diante, a família de aves, avisada pela mãe dos loucos caprichos daquele filhote, passou a lhe oferecer alimentos mais leves, sempre o incentivando a comer pouco e devagar.
      No entanto, mal ele terminava sua refeição, irremediavelmente começava a gritar:
      - Agora, pessoal, vamos voar um pouco!
      Todas as aves do cercado voltavam a explicar:
      - Você não entende que os perus não voam? Mastigue bem, coma menos e esqueça essas loucuras, pois um dia lhe trarão problemas.
      O tempo passou e, à medida que crescia, o filhote falava cada vez mais da fome que sentia e menos da vontade de voar.
      Ele cresceu e morreu junto com outros perus do cercado e terminou como todos: assado na mesa do camponês, numa ceia de Natal.
      No entanto, ninguém gostou da sua carne, que era dura e não tinha sabor de peru.
      Também, pudera! Não era um peru, mas uma águia capaz de voar a 3 mil metros de altura e de levantar uma ovelha pequena entre suas patas...
      No entanto, morreu sem saber disso, pois nunca teve coragem de abrir as asas... E porque ninguém nunca lhe disse que tinha alma de águia!

(Fonte: livro "Quando me conheci" de Jorge Bucay.)

Algumas pessoas levam a vida assim, como perus, sem saber que são águias!
 
No seio familiar de cada pessoa existem normas de convívio e um cultivo de valores muito específicos, que são construídos a partir das vivências dos pais e repassada aos filhos por meio da educação proporcionada a eles.

Às vezes, esses valores chocam com nossa essência (veja o caso da águia!) e acabam por nos limitar, não proporcionando uma forma mais plena de viver.

O que muitas vezes acontece é que não nos damos conta de quais desses valores herdados da família podem ser destrutivos e/ou limitantes para nós, pois nem sequer os reconhecemos! Ou se os reconhecemos, nunca nos permitimos questioná-los.

O autoconhecimento nos possibilita conhecer nossas potencialidades, bem como nossas reais limitações, assim como o reconhecimento de que somos serem únicos e que, podemos sim, escolher o que acreditamos ser melhor para nós, que não precisamos perpetuar o legado cultural da nossa família. Enfim, não precisamos viver segundo normas sociais que não são apropriadas para nós.

A psicoterapia nos proporciona o encontro com nossa essência e, a partir daí, a construção de parâmetros e modos de existência mais plenos, mais apropriados à nós e à nossa realização como pessoas.