sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Infertilidade e psicoterapia


A constituição de uma família e o tornar-se pai e mãe são fenômenos importantes para o estabelecimento de uma identidade social adulta, o que contribui para a realização pessoal do indivíduo (Dornelles, 2009). Entretanto, é comum na atualidade alguns casais adiarem o projeto parental em busca de uma realização profissional ou de um melhor status socioeconômico. Quando finalmente decidem ter filhos, não é raro que se deparem com um declínio na capacidade reprodutiva da mulher, capacidade esta em potencial somente confirmada com a gestação. Assim, a infertilidade pode ser uma realidade para estes casais, um diagnóstico frequentemente associado a fracasso, impotência, culpa e vergonha (Dornelles, 2009).

A Associação Americana para Medicina Reprodutiva (ASMR) define como infertilidade a ausência de gestação após 12 meses de relações sexuais frequentes (duas a três por semana) sem anticoncepção. A Organização Mundial de Saúde reconhece a infertilidade como um problema de Saúde Pública que afeta de 8 a 12% dos casais em todo o mundo e, embora reconheça que há evidências de que não deva ser entendida como uma doença clássica, pois nem sempre é acompanhada dos componentes dor, internação e risco de vida, ainda assim ela desencadeia diversas alterações psicológicas, sendo entendida como uma situação ameaçadora e geradora de diferentes conflitos. (Melamed, 2013).

As Técnicas de Reprodução Assistida (TRA) surgem como alternativas de solução para o problema da infertilidade e as clínicas que oferecem estes serviços oferecem esperança aos casais em busca da concretização da parentalidade.  

A partir da nossa prática profissional em um centro de reprodução humana assistida, observamos que a infertilidade é vivida como um evento traumático para a maioria dos casais e é experienciada como um dos eventos mais estressantes de suas vidas. A incapacidade de conceber pelos métodos naturais gera uma ferida narcísica, suscitando sentimentos dolorosos e vivências intensas (Dornelles, 2009), podendo causar um estado de depressão ou outros transtornos emocionais, muito embora devam ser vistas como reações normais frente a uma situação anormal que é a infertilidade (Seger, 2011). 

Assim, compreendendo a infertilidade como uma situação potencialmente traumática de vida, que inclui questões socioculturais e psicológicas importantes, torna-se salutar um acompanhamento psicoterápico do casal em tratamento. O psicólogo pode contribuir com sua escuta e acolhimento, ajudando o casal a lidar de forma menos dolorosa com os desdobramentos da infertilidade e tratamento, facilitando o enfrentamento dos medos, angústias, fantasmas e mitos. Através da oferta de informação, pode ajudar o casal a reconhecer suas reais possibilidades frente aos recursos oferecidos pela medicina.

A psicoterapia no tratamento da infertilidade pode minimizar o estresse provocado pelos tratamentos, potencializando os recursos internos (capacidades adaptativas) do casal para lidar com o estresse, dotando esses pacientes de melhor qualidade de vida possível.

Bibliografia

Dornelles, L. M. N. (2009). Tornar-se Pai e Mãe no Contexto da Reprodução Assistida. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS.

Melamed, R. M. M. (2013). A psicologia e o psicólogo na reprodução humana assistida. Em: I Consenso de Psicologia em Reprodução Assistida. 23-29. São Paulo/Rio de Janeiro: Livre Expressão Editora. Makuch, M.Y.;
 
Seger, L.; Melamed, R.M.M. (2011). A saúde e a doença na reprodução humana assistida. Em: Borges Jr, E.; Farah, L.M.S.; Cortezzi, S.S. Reprodução humana assistida. São Paulo: Atheneu.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Preferências, gênero e sexualidade


Filme bem antigo, mas que nos proporciona reflexões (sempre) atuais sobre questões de gênero, estereótipos e sobre como criar nossos filhos. Em inglês.

"Free to be you and me" conta a historinha de William, um garotinho que queria uma boneca de aniversário e, por isso, causou reações das mais diversas em sua família. O pai, em resposta, deu-lhe uma bola de basquete. William ainda ouviu críticas do irmão mais velho e dos amigos.

A única que atendeu o desejo do menino foi a avó, que compreendeu, sabiamente, que o fato do garoto querer uma boneca simplesmente mostrava seu desejo de cuidar, e que isso o ajudaria, um dia, a ser um bom pai.

As crianças frequentemente reproduzem, através do brincar, suas vivências com seus pais. Tendo compreendido isso, não é tão estranho assim que um garotinho manifeste o desejo de brincar com uma boneca... E este fato, por si só, não indica uma preferência sexual, como podem supor alguns.

A Gestalt-terapia propõe uma compreensão hermenêutica do ser humano, procurando entendê-lo em seu contexto sócio-histórico, também levando em consideração o meio cultural em que ele está inserido.

Ainda assim, essa abordagem psicoterápica concebe o sujeito a partir do próprio sujeito, de suas percepções e de suas vivências, compreendendo-as como únicas. Este é o motivo pelo qual a gestalt-terapia não tem uma teoria da personalidade, ou seja, uma concepção apriorística do ser humano. Compreendemos cada sujeito como único, e as significações que esse sujeito dá às suas vivências e à sua realidade (que são entendidas, na fenomenologia, como o conceito de intencionalidade) são entendidas a partir do ponto de vista do próprio sujeito, e não de modelos preestabelecidos.

Tendo tido a sabedoria de compreender o desejo do neto a partir do próprio neto, e não de concepções apriorísticas de gênero, a avó de William teve uma atitude gestáltica!

domingo, 13 de janeiro de 2013

Depressão e Gestalt-terapia


O termo Depressão vem sendo bastante utilizado na atualidade, porém ele pode ter diferentes significados:  

* um sintoma que faz parte de inúmeros distúrbios emocionais sem ser exclusivo de nenhum deles;
* uma síndrome traduzida por muitos e variáveis sintomas somáticos; ou ainda, 
* uma doença, caracterizada por alterações afetivas.  

Os sintomas da depressão como uma doença são muito variados, indo desde as sensações de tristeza a pensamentos negativos. Contudo, para se fazer o diagnóstico é necessário um grupo de sintomas centrais:
  • Perda de energia ou interesse
  • Humor deprimido
  • Dificuldade de concentração
  • Alterações do apetite e do sono
  • Lentificação das atividades físicas e mentais
  • Sentimento de pesar ou fracasso
Muitas vezes, sintomas corporais também estão presentes, como sensação de desconforto no batimento cardíaco, constipação, dores de cabeça, dificuldades digestivas, dentre outros. Períodos de melhoria e piora são comuns, o que cria a falsa impressão de que se está melhorando sozinho quando durante alguns dias o paciente sente-se bem. 

Outros sintomas que podem vir associados aos sintomas centrais são: 
  •  Pessimismo
  • Dificuldade de tomar decisões
  • Dificuldade para começar a fazer suas tarefas

  • Irritabilidade ou impaciência
  • Inquietação
  • Achar que não vale a pena viver; desejo de morrer
  • Chorar à-toa
  • Dificuldade para chorar
  • Sensação de que nunca vai melhorar, desesperança...
  • Dificuldade de terminar as coisas que começou
  • Sentimento de pena de si mesmo
  • Persistência de pensamentos negativos
  • Queixas freqüentes
  • Sentimentos de culpa injustificáveis
  • Boca ressecada, constipação, perda de peso e apetite, insônia, perda do desejo sexual
  •  Muitas pessoas me perguntam se a psicoterapia pode ajudar no tratamento da depressão ou se apenas a intervenção medicamentosa (através da psiquiatria) é a chave para a cura.

    O que minha experiência tem mostrado é que, em muitos casos, o medicamento melhora o humor do paciente. Porém, considerando que a origem da depressão é sempre multifatorial (uma predisposição genética somada a eventos de vida estressantes), o medicamento sozinho não ajuda o paciente a lidar melhor com os fatores ambientais (eventos estressantes), que também são causas da depressão. Uma abordagem mais abrangente, que some psicoterapia com intervenção medicamentosa mostra-se sempre mais eficaz no tratamento desta doença.

    Neste sentido, a Gestalt-terapia como abordagem psicoterápica tem a oferecer ao paciente um tratamento que atua na sua totalidade. Através do seu olhar acerca do sujeito como um ser biopsicossocioespiritual, a Gestalt-terapia busca a integração de todos os aspectos da personalidade desse sujeito.

    Falando sobre o que acomete o sujeito abre-se as portas para ressignificação dessas experiências, tornando-as menos doloridas e possibilitando-o de lidar melhor com tais vivências. Aos poucos, o paciente vai descobrindo seus recursos internos, aumentando seu auto-suporte, ampliando suas possibilidades e descobrindo formas mais saudáveis de viver.

    domingo, 9 de dezembro de 2012

    "Felicidade não é virtude nem prazer, mas simplesmente crescimento. 
     Estamos felizes quando estamos crescendo." 

    William Butler Yeats 

    segunda-feira, 30 de julho de 2012

    Autonomia e liberdade


    O significado etimológico de autonomia (de auto, que significa "por si mesmo", e nomos, que quer dizer "lei ou norma") nos liga ao desafio de sermos livres.

    Segundo Bucay (2011), autônoma é a pessoa capaz de administrar, sistematizar e decidir suas próprias normas, regras e seus costumes.
    É óbvio que, ao fazer isso, a pessoa autônoma não ignora as leis. Trata-se mais de questioná-las, revisá-las e adaptá-las ao seu modo de ser do que simplesmente desprezá-las.

    O exercício da autonomia conduz a uma ressignificação (atribuir novo significado) ou mesmo substituição dos valores aprendidos desde a tenra infância. Isso conduz à própria liberdade.

    Ainda segundo Bucay, durante anos os pacientes da velha psicanálise de meio século atrás culpavam as ordens, permissões e proibições dos pais e o condicionamento social e cultural recebido na infância a fim de evitar assumir a responsabilidade por suas próprias histórias. Acredito que, ainda hoje, os sujeitos em análise devem evitar perpetuar esse determinismo, uma vez que pode ser mais cômodo culpar terceiros do que arregaçar as mangas e assumir a responsabilidade pelo próprio destino. Reconhecer nossas dificuldades vivenciadas na infância é um primeiro passo (e muito importante!) para o crescimento, mas é preciso ir além. É preciso cuidar delas a fim de não deixar que nos paralisem.

    Claro que as feridas da infância podem causar dificuldades ao longo da vida da pessoa. No entanto, o adulto que existe em nós é o único responsável por cuidar das necessidades dessa criança machucada. Existe uma escolha aí: deixar que essas feridas nos consumam até perdermos o rumo ou assumir a responsabilidade por nosso próprio bem estar e buscar ajuda, quando necessário.

    Essa é a tarefa do adulto.

    Assumir isso é ser adulto.

    "Saber que sou livre me obriga a reconhecer que sou eu quem escolhe o que faço, o que digo, o que calo e o que evito. E essa decisão me torna responsável por tudo isso e por suas consequências.
    Sou eu quem decide e por isso são meus os sucessos e acertos, assim como os fracassos e erros."
    Jorge Bucay

    "Cada pessoa é seu ditador absoluto, seu provedor particular de glórias ou catástrofes; o governante da própria vida, sua recompensa, sua punição".
     Mabel Collens

    sábado, 21 de julho de 2012

    Perus ou águias?

     
    "Certa tarde, um camponês encontrou, no fundo do seu quintal, um ovo muito grande e cheio de pintas. Nunca tinha visto nada parecido.
          Surpreso e curioso, decidiu levá-lo para casa.
          - Será que é um ovo de ema? - perguntou sua esposa.
          - Não tem a mesma forma - disse o avô. - É grande demais.
          - Podemos comê-lo! - propôs o filho.
          - Talvez seja venenoso - refletiu o camponês. - Antes deveríamos saber que tipo de ave bota um ovo desses.
          - Por que não o deixamos no ninho da perua que está chocando? - sugeriu a filha caçula. - Assim, quando nascer, veremos o que é...
          Todos concordaram e assim foi feito. Mas logo se esqueceram do pobre ovo.
          Duas ou três semanas depois, a casca se quebrou e surgiu uma ave escura, grande, nervosa, que, com muita avidez, comeu tudo o que encontrou pela frente.
          Quando a comida disponível acabou, o estranho pássaro olhou para a mãe com vivacidade e disse, entusiasmado:
          - Não vamos sair para caçar?
          - Como assim, caçar? - perguntou a mãe um pouco assustada.
          - Como? - frisou o filhote. - Voando, é claro. Vamos voar!
          A mamãe perua se surpreendeu muito com a proposta do filhote e, munida de amorosa paciência, explicou:
          - Olhe, filho, os perus não voam. Você só tem essas idéias porque é guloso. Faz mal comer rápido e em excesso.
          Dali em diante, a família de aves, avisada pela mãe dos loucos caprichos daquele filhote, passou a lhe oferecer alimentos mais leves, sempre o incentivando a comer pouco e devagar.
          No entanto, mal ele terminava sua refeição, irremediavelmente começava a gritar:
          - Agora, pessoal, vamos voar um pouco!
          Todas as aves do cercado voltavam a explicar:
          - Você não entende que os perus não voam? Mastigue bem, coma menos e esqueça essas loucuras, pois um dia lhe trarão problemas.
          O tempo passou e, à medida que crescia, o filhote falava cada vez mais da fome que sentia e menos da vontade de voar.
          Ele cresceu e morreu junto com outros perus do cercado e terminou como todos: assado na mesa do camponês, numa ceia de Natal.
          No entanto, ninguém gostou da sua carne, que era dura e não tinha sabor de peru.
          Também, pudera! Não era um peru, mas uma águia capaz de voar a 3 mil metros de altura e de levantar uma ovelha pequena entre suas patas...
          No entanto, morreu sem saber disso, pois nunca teve coragem de abrir as asas... E porque ninguém nunca lhe disse que tinha alma de águia!

    (Fonte: livro "Quando me conheci" de Jorge Bucay.)

    Algumas pessoas levam a vida assim, como perus, sem saber que são águias!
     
    No seio familiar de cada pessoa existem normas de convívio e um cultivo de valores muito específicos, que são construídos a partir das vivências dos pais e repassada aos filhos por meio da educação proporcionada a eles.

    Às vezes, esses valores chocam com nossa essência (veja o caso da águia!) e acabam por nos limitar, não proporcionando uma forma mais plena de viver.

    O que muitas vezes acontece é que não nos damos conta de quais desses valores herdados da família podem ser destrutivos e/ou limitantes para nós, pois nem sequer os reconhecemos! Ou se os reconhecemos, nunca nos permitimos questioná-los.

    O autoconhecimento nos possibilita conhecer nossas potencialidades, bem como nossas reais limitações, assim como o reconhecimento de que somos serem únicos e que, podemos sim, escolher o que acreditamos ser melhor para nós, que não precisamos perpetuar o legado cultural da nossa família. Enfim, não precisamos viver segundo normas sociais que não são apropriadas para nós.

    A psicoterapia nos proporciona o encontro com nossa essência e, a partir daí, a construção de parâmetros e modos de existência mais plenos, mais apropriados à nós e à nossa realização como pessoas.


    sábado, 9 de junho de 2012

    A dádiva de ser terapeuta


    A relação entre paciente (ou, como se costuma dizer nas abordagens humanistas, “cliente”) e terapeuta é um tipo de relação com características muito peculiares. Embora tal relação se estabeleça por fins comerciais (no sentido em que o cliente procura o terapeuta solicitando um serviço e paga por ele), a dimensão dessa relação assume uma profundidade tal que dificilmente encontramos algo parecido em nossas relações cotidianas.

    À medida em que o cliente sente-se à vontade na presença do terapeuta, sua confiança nele vai se solidificando, sessão a sessão, e assim o cliente se aprofunda mais e mais em suas questões. O terapeuta essencialmente ético sabe da responsabilidade de testemunhar as questões mais delicadas que seu cliente traz, sejam elas seus maiores medos, sonhos, desejos ou angústias.

    Conhecer o mais íntimo de uma pessoa é uma enorme dádiva! Sempre me sinto incrivelmente honrada, não só pela confiança depositada em mim, mas também porque me é revelada muita beleza na essência humana, mesmo nos discursos tristes e nas dores sofridas da vida. E à medida em que acolho o discurso repleto de emoções que meu cliente traz para a terapia, necessariamente me sinto enriquecida.

    Talvez isso aconteça pelo fato de que as pessoas que procuram psicoterapia quase sempre querem ser pessoas melhores. Normalmente querem se conhecer, querem entender o que estão fazendo de errado, uma vez que sentem que se algo não está muito certo em suas vidas, algo de errado estão fazendo. O que acontece com frequencia é que o “algo errado” que estão fazendo é terem se alienado de si mesmas, não percebendo suas totalidades, não respeitando os próprios limites.

    À medida em que o cliente se revela para o terapeuta e é acolhido por este, a aliança terapeutica se estabelece. O cliente sente-se aceito do jeito que é, sua autoestima se fortalece e ele se sente com mais coragem para encarar suas dificuldades e trabalhar mais a fundo suas questões.

    E isso é só o começo...



    Obs: Este post é dedicado aos meus queridos clientes, que, revelando-me suas essências, enriquecem tanto a minha existência.

    quinta-feira, 7 de junho de 2012



    "Aqueles que conservam a sua paz interior em meio ao tumulto da vida moderna estão imunizados contra as doenças nervosas".

                                                                      Alexis Carrel


    domingo, 13 de maio de 2012


    Declaração da atriz norte-americana Sandra Bullock sobre seu filho Louis Bardo adotado por ela em 2010:  

    “É bem simples o meu sonho para meu filho: que ele veja que as tristezas da vida não eliminam as grandes alegrias”.

    Muito sábias palavras! O sonho dela não é que o filho seja muito bem sucedido, ganhe muito dinheiro ou que seja famoso (embora ela deva desejar ótimas coisas para o filho). Seu sonho é que ele veja o lado belo da vida e seja feliz!

    Às vezes, nós, mães desejamos tanta coisa para os nossos filhos... isso quando já não temos um futuro (de sucesso, claro) traçado pra eles! E esquecemos de que o maior presente que podemos dar a eles é deixar serem quem são. Educar, ensinar, orientar, com certeza, mas deixarem ser quem são. Por mais que seja difícil, permitir que eles aprendam com os próprios erros, que cresçam com as próprias escolhas e, ainda assim, oferecer colo quando precisarem. Tudo sem cobrar nada em troca (além do respeito aos outros e a si mesmo, em amplo sentido), entendendo que essa é a ordem natural da vida: cada geração se encarrega da geração seguinte.


    Feliz dia das mães!!


    quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

    Pais e filhos nas redes sociais

    Antes da internet, lugares como praças, lanchonetes e shoppings eram ambientes eleitos pelos adolescentes como “hábitat natural”. Era nesses locais que os jovens se reuniam para conversar, interagir e socializar. Graças às redes sociais, o encontro cara a cara ganhou uma versão virtual — mas com uma pequena diferença: agora, os pais podem participar das rodas de conversa. Um recente levantamento feito por pesquisadores de mercado da empresa Lab 42 nos Estados Unidos descobriu que os pais já fazem parte da vida virtual dos filhos. Dos 500 entrevistados, 92% são “amigos” dos filhos no Facebook. E eles não se acanham em apontar o motivo para a inserção digital: garantir que as crias estão seguras na internet foi o que levou 40% deles a criar um perfil no site, enquanto 15% afirmaram ter curiosidade sobre os assuntos que os filhos conversam na rede.



    Utopia
    Os tempos podem até ter ficado mais modernos e tecnológicos, mas os adolescentes ainda seguem o mote “tudo o que é proibido é mais gostoso”. De acordo com dados da Parent-Teen — Internet Safety Report 2011, pesquisa feita pela GFI Software, 34% dos 535 adolescentes entrevistados afirmaram ter perfis paralelos ao “oficial” para publicar coisas que não querem que os pais saibam. Quase 24% deles admitiram visitar sites direcionados para adultos — e 53% confirmaram ter mentido sobre a própria idade para poder entrar em páginas proibidas para menores de 18 anos. E, se não dá para ter liberdade em casa, dá-se um jeito: 72% dos adolescentes usam os computadores da escola para visitar sites proibidos pelos pais. Isso sem contar os celulares com internet, usados por 79% dos entrevistados como alternativa ao computador de casa.

    Por essas e outras, Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), confirma que a ideia de tentar limar o acesso dos adolescentes à rede é utópica. Para proteger os filhos sem ser acusado de invasor de privacidade, usar o bom senso, assim como em muitos outros dilemas da vida, é a solução ideal. “Alguns pais entram na internet para dar palpite no que o filho faz ou diz. Isso limita o adolescente, que vê na internet um espaço para experimentar, ser diferente dos pais”, justifica Luciana. Ela sustenta que outra coisa capaz de tirar os adolescentes do sério são pais que se comportam como se fossem, literalmente, amigos. “O filho tende a não gostar quando o pai quer ser amigo e interagir com os colegas dele, por exemplo, porque pai é pai, não é amigo”, justifica.

    Assim como a permissão para sair à rua sem adultos por perto, Luciana diz que o acesso não supervisionado às redes sociais deve ser galgado, conquistado aos poucos pelos adolescentes. “Você não solta seu filho na rua de uma vez. Primeiro, ele vai à padaria acompanhado, depois sozinho”, argumenta. “O pai ensina o filho sobre como falar com estranhos na rua, mas não tem o hábito de ensiná-lo como se comportar na internet.” Para pais que têm a senha dos filhos, a psicóloga recomenda transparência para evitar conflitos. “Sempre que a pessoa for acessar o perfil do filho, deve avisar”, reforça. “Nunca entre e depois diga que acessou. Ninguém gosta de se sentir invadido.”

    Mesmo que os adolescentes torçam o nariz para o monitoramento, a presença dos progenitores na rotina virtual dos filhos tem razão de ser.

    Mara Farias Vieira, psicóloga clínica, diz que os pais não devem se sentir acanhados em manter contato com os filhos na internet — uma vez que a prática é apenas uma extensão do que os pais sempre fizeram desde sempre, que é cuidar dos próprios filhos. Assim como os pais orientavam com relação à televisão, devem conversar com as crianças ou adolescentes sobre a internet. Não adianta, entretanto, querer “forçar amizade”, como dizem os próprios adolescentes: comentar em todas as fotos ou mensagens que o filho coloca pode ser o estopim para brigas intermináveis. “Os pais devem conversar para que eles se sintam à vontade de procurá-los”, ensina. “Jovens são seres em formação, precisam de quem os oriente.”

    Ainda que a preocupação tire o sono, Mara diz que é preciso respeitar a privacidade dos adolescentes. “É como se os pais estivessem nas praças de antigamente, ouvindo a conversa dos jovens.” Ivonete Garcia, psicóloga clínica, hospitalar e neurológica, reforça: sem diálogo, é impossível estabelecer regras. “Se o pai apenas reproduz regras que recebeu, não terá como saber até onde pode ir com relação ao respeito à intimidade do filho”, argumenta. Ivonete frisa que os pais devem manter a postura de educadores — mesmo que, para isso, precisem ser mais diretos que o de costume. “Se a criança é mais agressiva ou tem um temperamento mais forte, os pais têm tendência a não ‘enfrentar’, ficam com medo de ela se sentir incomodada”, completa a psicóloga. “Isso não funciona, porque ele (o pai) tem que saber que está formando o caráter do jovem.”

    (Adaptado da matéria publicada no jornal Correio Braziliense em 25/01/2012)

    Texto original, aqui.