quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Pais e filhos nas redes sociais

Antes da internet, lugares como praças, lanchonetes e shoppings eram ambientes eleitos pelos adolescentes como “hábitat natural”. Era nesses locais que os jovens se reuniam para conversar, interagir e socializar. Graças às redes sociais, o encontro cara a cara ganhou uma versão virtual — mas com uma pequena diferença: agora, os pais podem participar das rodas de conversa. Um recente levantamento feito por pesquisadores de mercado da empresa Lab 42 nos Estados Unidos descobriu que os pais já fazem parte da vida virtual dos filhos. Dos 500 entrevistados, 92% são “amigos” dos filhos no Facebook. E eles não se acanham em apontar o motivo para a inserção digital: garantir que as crias estão seguras na internet foi o que levou 40% deles a criar um perfil no site, enquanto 15% afirmaram ter curiosidade sobre os assuntos que os filhos conversam na rede.



Utopia
Os tempos podem até ter ficado mais modernos e tecnológicos, mas os adolescentes ainda seguem o mote “tudo o que é proibido é mais gostoso”. De acordo com dados da Parent-Teen — Internet Safety Report 2011, pesquisa feita pela GFI Software, 34% dos 535 adolescentes entrevistados afirmaram ter perfis paralelos ao “oficial” para publicar coisas que não querem que os pais saibam. Quase 24% deles admitiram visitar sites direcionados para adultos — e 53% confirmaram ter mentido sobre a própria idade para poder entrar em páginas proibidas para menores de 18 anos. E, se não dá para ter liberdade em casa, dá-se um jeito: 72% dos adolescentes usam os computadores da escola para visitar sites proibidos pelos pais. Isso sem contar os celulares com internet, usados por 79% dos entrevistados como alternativa ao computador de casa.

Por essas e outras, Luciana Ruffo, psicóloga do Núcleo de Pesquisa de Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), confirma que a ideia de tentar limar o acesso dos adolescentes à rede é utópica. Para proteger os filhos sem ser acusado de invasor de privacidade, usar o bom senso, assim como em muitos outros dilemas da vida, é a solução ideal. “Alguns pais entram na internet para dar palpite no que o filho faz ou diz. Isso limita o adolescente, que vê na internet um espaço para experimentar, ser diferente dos pais”, justifica Luciana. Ela sustenta que outra coisa capaz de tirar os adolescentes do sério são pais que se comportam como se fossem, literalmente, amigos. “O filho tende a não gostar quando o pai quer ser amigo e interagir com os colegas dele, por exemplo, porque pai é pai, não é amigo”, justifica.

Assim como a permissão para sair à rua sem adultos por perto, Luciana diz que o acesso não supervisionado às redes sociais deve ser galgado, conquistado aos poucos pelos adolescentes. “Você não solta seu filho na rua de uma vez. Primeiro, ele vai à padaria acompanhado, depois sozinho”, argumenta. “O pai ensina o filho sobre como falar com estranhos na rua, mas não tem o hábito de ensiná-lo como se comportar na internet.” Para pais que têm a senha dos filhos, a psicóloga recomenda transparência para evitar conflitos. “Sempre que a pessoa for acessar o perfil do filho, deve avisar”, reforça. “Nunca entre e depois diga que acessou. Ninguém gosta de se sentir invadido.”

Mesmo que os adolescentes torçam o nariz para o monitoramento, a presença dos progenitores na rotina virtual dos filhos tem razão de ser.

Mara Farias Vieira, psicóloga clínica, diz que os pais não devem se sentir acanhados em manter contato com os filhos na internet — uma vez que a prática é apenas uma extensão do que os pais sempre fizeram desde sempre, que é cuidar dos próprios filhos. Assim como os pais orientavam com relação à televisão, devem conversar com as crianças ou adolescentes sobre a internet. Não adianta, entretanto, querer “forçar amizade”, como dizem os próprios adolescentes: comentar em todas as fotos ou mensagens que o filho coloca pode ser o estopim para brigas intermináveis. “Os pais devem conversar para que eles se sintam à vontade de procurá-los”, ensina. “Jovens são seres em formação, precisam de quem os oriente.”

Ainda que a preocupação tire o sono, Mara diz que é preciso respeitar a privacidade dos adolescentes. “É como se os pais estivessem nas praças de antigamente, ouvindo a conversa dos jovens.” Ivonete Garcia, psicóloga clínica, hospitalar e neurológica, reforça: sem diálogo, é impossível estabelecer regras. “Se o pai apenas reproduz regras que recebeu, não terá como saber até onde pode ir com relação ao respeito à intimidade do filho”, argumenta. Ivonete frisa que os pais devem manter a postura de educadores — mesmo que, para isso, precisem ser mais diretos que o de costume. “Se a criança é mais agressiva ou tem um temperamento mais forte, os pais têm tendência a não ‘enfrentar’, ficam com medo de ela se sentir incomodada”, completa a psicóloga. “Isso não funciona, porque ele (o pai) tem que saber que está formando o caráter do jovem.”

(Adaptado da matéria publicada no jornal Correio Braziliense em 25/01/2012)

Texto original, aqui.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Somos o que pensamos ser


O psiquiatra canadense Norman Doidge é o autor de "O Cérebro que se transforma", um relato das pesquisas sobre a possibilidade de os estímulos externos mudarem a estrutura e a fisiologia do cérebro, teoria conhecida como neuroplasticidade. Publicado em mais de 100 países, o livro chega às livrarias brasileiras neste mês.

Ele concedeu a seguinte entrevista à revista Veja:

A neuroplasticidade desacredita ou confirma as teorias do neurologista Sigmund Freud?


Freud não foi só o pai da psicanálise. Ele foi um dos primeiros estudiosos a perceber o eixo central da plasticidade cerebral. Em 1886, quando raros cientistas entendiam o cérebro como uma grande rede, ele propôs a Lei da Associação por Simultaneidade. Segundo essa lei, toda vez que alguém percebe duas coisas ao mesmo tempo, como um menino com cabelos vermelhos, os dois conceitos são processados por neurônios de diferentes regiões, que se ligam simultaneamente e fortalecem a conexão entre si. A tecnologia de neuroimagem não apenas lhe deu razão, mas também confirmou a eficácia da psicanálise. A maior parte das psicoterapias altera as estruturas cerebrais da mesma forma que os remédios para distúrbios da mente. Não dá mais para alegar que terapia é só conversa jogada fora.


O senhor diz que somos o que pensamos ser. O que isso significa?


Diversos estudos revelaram que pessoas que praticam um instrumento musical apresentam mudanças no mapeamento cerebral idênticas às das pessoas que apenas imaginam estar tocando tal instrumento. A maioria dos indivíduos, inclusive os cientistas, despreza o poder da imaginação. Há um teatro virtual acontecendo a todo momento dentro da cabeça de cada um de nós. Por parecer real, tudo o que uma pessoa imagina se torna um gatilho para as emoções e ações. Os pensamentos positivos são capazes de ligar os centros de prazer do cérebro da mesma maneira que a presença de uma pessoa querida ou uma taça de vinho. Isso é uma forma de sair, mesmo que momentaneamente, dos estados negativos. Quem imagina eventos ruins aumenta as conexões neurais nos centros da emoção negativa, o que pode levar alguém medroso a se tornar um fóbico patológico.


A interatividade do computador altera o cérebro para o bem ou para o mal?


Desconfio que mais para o mal do que para o bem. Os equipamentos eletrônicos são tão compatíveis com o nosso cérebro, que também é movido a eletricidade, que alteram a nossa atenção, tornando-nos viciados em tecnologia. O vício é um fenômeno plástico e não se aplica só às drogas. Pessoas se tornam viciadas em corrida, em jogo, em compras, em paixões. O homem supõe que controla os dispositivos incríveis que criou. Meu temor é que esteja acontecendo o contrário: todo esse aparato tecnológico é que está nos reprogramando.


Como a plasticidade cerebral pode ser usada pela medicina?


As possibilidades são incontáveis. A plasticidade não afeta só a nossa saúde ou o nosso cotidiano. É o modus operandi do cérebro. Ela nos faz humanos. Somos "Homo neuro-plastica". As descobertas que estão por vir podem levar à abertura da caixa-preta que revela quem somos e de onde viemos.